quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Riscos IV: A segunda chance

Gostaria de apresentar um outro problema interessante na área de probabilidade. Um professor certa vez me disse que se divertiu fazendo colegas da matemática e da estatística passarem maus bocados tentando resolver uma questão parecida. E, como em outros textos desta série, a confusão vem do uso descuidado de um princípio muito repetido: eventos anteriores não afetam probabilidades. 

Podemos apresentar o problema da seguinte forma: alguém mostra a você 3 conchas sobre uma mesa, e avisa que há uma moeda sob uma delas. Se você escolher a concha correta, fica com a moeda. Simples, não?

Mas, feita a sua escolha, propõe-se uma mudança: remove-se uma das conchas que não foram escolhidas, revelando que a moeda não está lá. Obviamente é sempre possivel retirar uma concha vazia: ou sua escolha foi certa, e neste caso tanto faz retirar qualquer uma das outras duas conchas, ou você escolheu a concha errada, e neste caso retira-se a segunda errada.

E aí vem o aspecto interessante do problema: você tem uma nova chance. Das duas conchas restantes, uma é a que você escolhera. Mas você pode agora mudar de ideia, e ficar com a outra concha que sobrou. Pergunta-se, muito simplesmente: vale a pena mudar a escolha?

O raciocínio rápido e errado costuma ser o seguinte: "A chance de acertar a concha não pode mudar porque eu recebi informação sobre o que havia em uma outra concha diferente da que eu escolhera. Parece então que não vale a pena trocar". Como tendemos a manter nossas escolhas até que se mostrem erradas (ou até um pouco depois de se mostrarem erradas), a reação da maioria é não mudar sua escolha inicial.

E esta maioria terá cometido um erro. Na verdade, você dobra suas chances de encontrar a moeda se fizer a troca. Vejamos por quê. Depois de todo o procedimento (escolha inicial, e revelação de uma concha errada) a escolha é uma só: trocar ou não trocar. Seja qual for a concha escolhida, a decisão de trocar ou não trocar define sucesso ou fracasso. Ou você havia acertado a primeira escolha (e, neste caso, trocar significa fracasso), ou você havia errado a primeira escolha (e, neste caso, trocar significa sucesso). O que atrapalha tudo, é claro, é o fato de você não saber se acertara a primeira escolha.

Ocorre que a chance de acertar a primeira escolha é de 1 para 3 (você escolheu uma de três conchas), e portanto a chance de ter errado a primeira escolha é de 2 para 3. Pelo argumento anterior, aproveitar a chance de troca lhe fará ganhar sempre que você errara a primeira escolha. Como é duas vezes mais provável que você tenha errado a primeira escolha, você deve sempre aceitar a chance de troca. 

Mesmo quando concordam com a resposta correta, algumas pessoas ficam insatisfeitas porque aparentemente esta resposta viola um fato muito enfatizado sobre probabilidade: eventos anteriores não mudam a probabilidade. E parece que o evento "retirar uma das conchas vazias" modificou probabilidades neste caso. 

Parece, apenas. Observe que é sempre mais provável que você tenha errado a primeira escolha (2/3 contra 1/3). O evento "mostrar a concha vazia" não modificou isto, de fato. Apenas permitiu uma chance de corrigir o erro de maneira efetiva.

Veja: se eu simplesmente omitisse esta etapa, e desse a chance de troca sem nada falar sobre as três conchas, ainda seria verdade que você provavelmente errara a primeira escolha. Ocorre que, neste caso, não sabemos como corrigir o erro: é de 2/3 a chance de ter errado (portanto, é bom apostar na correção), mas é 1/2 a chance de conseguir corrigir a escolha, porque agora não sabemos qual das duas conchas restantes escolher. Neste caso, trocar ou não trocar lhe deixaria de novo com 1/3 de chance de acertar.

Certa vez ouvi o seguinte argumento: "mas, se alguém entra na sala no meio do experimento, sem ter acompanhado seus detalhes, não seria tentado a dizer ao candidato que a escolha não faria diferença?".  Sem dúvida. Se esta pessoa apenas vê o candidato escolhendo entre duas conchas, não parece haver nenhum sentido na troca.

Mas não há aqui nenhuma incoerência. O cálculo de probabilidades sempre é condicionado à informação disponível.  Resultados de experimentos anteriores não afetam as probabilidades de novos experimentos feitos nas mesmas condições. Mas a revelação de novas informações sobre um experimento já realizado deve, sim, ser levada em consideração ao computar quais os prováveis resultados. A máxima "não considere eventos anteriores", como já foi afirmado em outros textos da série, tem que ser tomada com um pouco de cuidado.