domingo, 15 de julho de 2012

Verdadeiramente pelos estudantes

Acontece algo de muito arbitrário e pouco democrático quando entro em um avião. Eu e os demais passageiros tomamos assento em uma parte da cabine, mas um outro cidadão, denominado Piloto, segue um procedimento diferente. Ele senta-se em outro local, fisicamente isolado dos demais. Pior: ele passa a tomar uma série de decisões sem nos consultar.

De fato, não somos convidados a construir, coletivamente, celebrando a diversidade de nossas perspectivas, culturas, habilidades e percursos formativos, a melhor rota para a viagem. O piloto nem nos pergunta se devemos ou não voar a 10 ou a 11 mil metros. Há pouca evidencia de que o piloto seja mais inteligente do que eu, ou mais culto. Podemos ter também a certeza de que, do ponto de vista legal, eu e meus companheiros passageiros somos rigorosamente iguais a ele.

Bom, chega de ironia por hoje. É óbvio que não há nada de estranho aqui. Mas, não raro, vemos pessoas levantarem uma tese sobre igualdade que não está longe da minha brincadeira acima, exceto pelo fato de que falam a sério. Em particular, no ambiente universitário, veem-se com alguma frequência propostas que supostamente se inspiram no ideal democrático. Segundo esta linha, as distinções conservadoras entre mestres e aprendizes, por exemplo, deveriam dar lugar a um ambiente sem líderes ou liderados. Os estudantes devem construir com seus mestres os currículos. Devem opinar sobre novos cursos, dividir as tarefas da administração universitária, escolher seus dirigentes. Os debates em torno destas ideias orientam-se em torno de uma pergunta simples: somos ou não a favor dos estudantes?

Somos a favor, é claro. Eu costumo dizer aos meus estudantes que posso imaginar o ensino universitário sem salas ou recursos audiovisuais ---- e, se compararmos expansão de vagas e de infra-estrutura nos anos recentes poderemos ter de avaliar essa possibilidade bem antes do que pensamos. Também  imagino etapas do ensino sem a presença real do professor --- que meu sindicato não me ouça! O difícil mesmo é imaginar qualquer etapa do aprendizado sem estudantes.

Também é difícil não reconhecer a primazia do ensino de graduação na universidade. Ainda que nossa Constituição declare que ensino, pesquisa e extensão sejam indissociáveis (artigo 207),  não há uma só pessoa que deixe de pensar universidade, de maneira primordial, como a instituição onde se pratica o ensino de graduação. Aliás, esta afirmação de que três coisas são na verdade uma só mais parece uma tese teológica do que um artigo da Constituição, mas hoje o assunto não é esse. Enfim, não é exagero dizer que tudo na universidade funciona, em primeira análise, para o(a) estudante de graduação, e perguntar se estamos ou não a seu lado não chega a fazer sentido.

Eu e os estudantes adultos somos cidadãos plenos, sem distinção em direitos. Ocorre que, assim como não é prudente substituir o piloto pelo passageiro (inteligentíssimo!) da cadeira 4A, não é por acaso que a responsabilidade fundamental da atividade-fim da academia recai sobre o professor. Não por acaso, não porque o professor alcançou a iluminação, ou tornou-se pessoa com maiores direitos, mas porque ele percorreu, com êxito, um caminho que o levou a assumir essa responsabilidade. Na maior parte dos casos, o estudante sequer viveu o bastante para poder fazê-lo. Isto não é arbitrário, não é "um construto", mas um simples fato do mundo real. Ignorá-lo não passa de demagogia ou enganação pseudo-revolucionária.

Ouço com atenção os estudantes. Eles me ajudam a observar o quanto as práticas de ensino funcionam e não funcionam. São, por larga margem, o maior patrimônio do ambiente acadêmio, e sua razão de existir. Mas, no limitado domínio da minha especialidade, no dia em que tiver tanto a ensinar quanto a aprender com eles, só sobrarão duas alternativas: ou estarei ensinando uma obviedade inútil, a que o(a) estudante chegaria por si só, munido de senso crítico, livros e acesso à internet, ou estarei agindo com evidente incompetência, mal disfarçada de generosidade. Estudantes, eu, e o resto do país estaríamos melhor se eu me dedicasse a outra coisa.

Para os estudantes, o caminho que os leva docência universitária está aberto. Antes de trilhá-lo, sugiro que estudem nossos contracheques com atenção. Brincadeiras à parte, eu os receberei alegremente como colegas, e procurarei aprender, observadas minhas limitações, os detalhes interessantes de sua especialidade. Até lá, vamos trabalhar, estudar, deixando a demagogia para quem não tem outro recurso.