quinta-feira, 19 de abril de 2012

Como se sabe

Há boas chances de que você tenha ouvido algo equivalente às seguintes narrativas:

Narrativa 1: As ideias de Colombo foram vistas com descrédito por pessoas que defendiam o modelo de uma Terra plana. Elas o alertaram que seu navio ia cair no vazio quando se afastasse muito da Europa.

Narrativa 2: Darwin era um opositor da ideia do uso e desuso, e estava convencido de que traços adquiridos durante a vida de um animal não podiam ser passados à sua descendência.

Estes são fatos comumente comentados sobre Ciência, considerados até certo pontos banais. Pontos pacíficos. Coisas que todos sabemos. Um estudante que se prepara para o exame vestibular e não sabe um desses fatos deveria se esforçar mais em seus estudos.

A outra coisa que há de comum nas afirmações acima é que estão ambas erradas.

Não é que elas tenham sido consideradas corretas por algum período de tempo, e agora nosso conhecimento avançou para considerá-las erradas. Elas estão erradas como sempre estiveram, e da forma como foram apresentadas acima constituem uma caricatura do conhecimento científico.

A teoria da Terra Plana tinha seus adeptos na Antiguidade. Ela parece explicar de forma simples um aspecto da realidade à nossa volta (a Terra parece plana...), e evita o problema de explicar como as pessoas do "lado de baixo" não caem no abismo. Isto pode parecer um problema risível, mas imagine resolvê-lo sem apelar para conhecimentos de Física que não existiam à época, como a Gravidade.

Por outro lado, se olharmos com cuidado, existem elementos para sustentar uma Teoria da Terra Redonda muito antes das fotos de Satélite. Ela explica com naturalidade, por exemplo, as fases da Lua e de outros corpos do Sistema Solar (há algo redondo projetando uma sombra sobre eles), e a diferença das trajetórias do Sol em diferentes latitudes. Na verdade, com uma observação cuidadosa da sombra de objetos ao meio-dia, em lugares diferentes, na mesma data de anos diferentes, Eratóstenes de Alexandria conseguiu, aplicando geometria, não apenas concluir que a Terra era redonda, mas calcular uma estimativa de seu raio.

Assim, e ao contrário do que se costuma citar, a maioria das pessoas cultas da Europa, mesmo ao final da Idade Média, defendiam uma Terra redonda. Mas então por que foi vista com ceticismo a ideia de Colombo de se chegar ao leste pelo oeste? Ora, porque a Terra é muito grande, e simplesmente não se viam condições para se cumprir a trajetória planejada antes que os mantimentos acabassem.

E, curiosamente, os críticos de Colombo estavam certos. A missão não terminou em tragédia por um pequeno detalhe que nem eles nem Colombo conheciam: um outro continente no meio do caminho!

Já a questão de Darwin é ainda mais curiosa. Se alguém, ao falar das teorias sobre evolução, opõe Darwin a Lamarck, dizendo que o primeiro não acreditava em uso e desuso, com toda certeza nunca leu A Origem das Espécies, ou teria encontrado inúmeros trechos dos quais se compreende que Darwin via, sim, o Uso e Desuso como uma possibilidade. Darwin, naturalmente, insistia na Seleção Natural como o elemento central da diferenciação gradual entre as espécies, mas não via esta ideia como oposta ao Uso e Desuso. Aliás, seria muito estranho que alguém pudesse à sua época, sem conhecimentos sobre genética, descartar apenas por lógica pura a possibilidade do uso e desuso.

Em tempo, segundo Stephan Gould, Darwin jamais menciona o pescoco das girafas em seu livro, e Lamarck o faz muito ligeiramente.

Por que ideias que claramente não correspondem à realidade perpetuam-se? Eu tenho que supor que elas sejam repetidas (ou pelo menos não sejam contestadas) na escola. Temo que educadores caiam na tentação de identificar modelos simplificados, necessários para uma primeira apresentação de uma ideia complexa, com a realidade a ser apresentada. Isto acaba por gerar, e os exemplos são vários, a situação na qual o conteúdo apresentado não apenas é teórico, no sentido de uma aparente desconexão com a vida cotidiana, mas é na verdade uma construção arbitrária e pouco conectada até mesmo com o objeto de estudo. Torna-se um pacote de informação que se inicia e termina no ritual escolar.

Mas chega de criticas aos meus colegas. Em um próprio post, veremos pedaços de informação que recebemos todos os dias dos meios de comunicação, e que não fazem sentido algum.