quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Sobre o 15 de outubro

Ontem recebi mensagens pelo dia do professor, o que me fez lembrar de como acho essa atividade estranhamente privilegiada. Refiro-me à palavra Professor em seu sentido mais amplo, não restrito ao que ocorre em uma escola ou universidade. Ao longo do dia de hoje, em algum lugar do planeta, alguém ensinou as primeiras letras a uma criança, ou a um adulto. Um outro alguém demonstrou, diversas vezes, a técnica correta do o-sotogari. Outro ainda auxiliou um estudante (ou talvez um não-estudante) na difícil tarefa de ler e compreender Espinoza, por meio de comentários, comparações e exemplos. Enquanto isso, alguém repetia, pela milésima vez, que aquele trecho pede non-legato, e não staccato. Um outro esclarecia que o Princípio da Incerteza decorre de uma característica intrínseca da própria estrutura matemática da mecânica quântica, surpreendendo o(a) estudante que até então acreditava em um modelo segundo o qual o elétron é muito pequeno e dá um pulo quando tentamos vê-lo. Todos esses, e muitos outros, são professores, e todos estranhamente privilegiados.

Para quem gosta de aprender, não há profissão melhor do que ensinar, e isto não é um jogo de palavras. Muito ao contrário da famosa provocação “quem sabe faz, quem não sabe ensina”, ninguém pode afirmar saber nada até colocar-se na posição de ensinar outra pessoa. Em geral, descobrirá que sabe muito pouco, o que para quem gosta de aprender é sempre uma boa notícia.

As vidas que tocamos por um breve instante continuam seus caminhos independentes, após uns poucos primeiros passos que supervisionamos. De certo modo, as experiências nestas diferentes trilhas retornam até nós, como se na prática tivéssemos várias vidas. Aliás, mesmo na vida própria que de fato temos, somos privilegiados pela única e verdadeira fonte da juventude: vivemos cercados de pessoas da mesma faixa etária. Conhecemos, superficialmente, é verdade, as mais recentes e estranhas tendências, as gírias mais carentes de sentido.

Limitados às vezes por condições adversas, e limitados sempre por nossa própria imperfeição, trabalhamos para que outros tenham condições melhores que as nossas, para que nos superem. Quantos podem dizer o mesmo em sua atividade profissional?

Quando sou chamado a conversar com jovens e adolescentes sobre a escolha de um curso superior, gosto de uma abordagem pouco convencional: digo que eles não devem perder muito tempo pensando na profissão ideal porque ela não existe. Existe no máximo uma direção (ou seriam várias direções para diferentes momentos de vida?) na qual, em média, nossas inclinações e aspirações parecem encontrar melhor ambiente. Mas é uma escolha que levará a dúvidas eternas. 

E a opção pela carreira de professor não é diferente. Tive e continuo a ter dúvidas sobre minha adequação e sobre a satisfação dos meus desejos nesta área. Lamento dizer que não tenho visto no ambiente universitário o convite à dúvida e à descoberta, o ceticismo humilde (sem o qual consideramo-nos sempre excelentes), a crítica serena e fundamentada, o debate lúcido sobre caminhos a seguir no próximo século. Vejo um ambiente intelectualmente viciado e auto-referente, dominado por uma pseudo-erudição rabugenta que se pretende revolucionária. Mas, se no meio de tudo isso, pessoas vêm nos dizer que saíram de lá melhores do que entraram, resta o consolo de que alguma coisa deu certo, o que é suficiente para não desistir. Obrigado.