Costumamos dizer que usamos lógica perfeita em nossos argumentos, e nossos adversários, se por erro ou má fé não se sabe, usam argumentos apaixonados e sem lógica. Isso raramente é verdade. De fato, o fascinante campo da lógica formal ajuda-nos muito pouco em uma discussão mundana sobre questões concretas, pelo simples fato de que frequentemente partimos de premissas diferentes sobre nossos objetivos, e sobre o que estamos dispostos a pagar para alcançá-los.
Em geral, acusamos nossos adversários de cair em "falácias". É divertido analisar criticamente a questão das falácias, e verificar que esta acusação é, não raro, falaciosa.
Uma acusação comum de falácia é de que foi usado um argumento "ad hominem". E podemos ter certeza de ter feito algo muito sério quando nos acusam em latim. Em bom português, estaríamos sendo acusados de construir um argumento dirigido à pessoa e não à ideia que ela defendera. Por exemplo, após ouvir alguma argumentação sobre a defesa do meio ambiente, seria "ad hominem" retrucar algo como "você diz defender o meio-ambiente mas ontem eu lhe vi avançando o sinal vermelho". Avançar o sinal vermelho é errado, mas isso nada tem a ver com os argumentos do suposto infrator no assunto meio-ambiente.
O curioso é que a expressão "ad hominem" é frequentemente usada de maneira, paradoxalmente, falaciosa. Por exemplo, quando se discute uma atitude (no caso, a defesa do meio ambiente), NÃO é falacioso, muito menos "ad hominem", apontar que tal atitude é contrária àquilo praticado por quem a defende. Se a atitude tem a ver com a defesa do meio ambiente, não seria ad hominem a objeção "você fala sobre defender o meio-ambiente por meio do uso coletivo do transporte, mas eu nunca lhe vi deixar o carro na garagem". Esta é uma objeção, lógica e válida, à boa fé e sinceridade do proponente da hipotética tese ambientalista. O proponente pode ter uma boa explicação para isso, mas precisa se explicar. Gritar "ad hominem" não resolve.
Também não é "ad hominem" indicar que o próprio argumento desqualifica seu proponente por sua condição. Essa acusação costuma surgir alguém dramatiza a defesa de sua proposta com algo do tipo "só o povo oprimido nas ruas pode entender do que estou falando!" --- ora, então você mesmo não pode entender do que está falando, ou está oprimido nas ruas? Esse erro é consequência da mania de nos vermos como extra-terrestres bondosos, que tudo veem mas que não têm interesse pessoal nas coisas do mundo. Uma mentira, obviamente, que não se torna menos mentirosa com pitadas de latim.
Não é fácil a tarefa de argumentar corretamente. Deveria ser uma parte importante do aprendizado das escolas --- melhor do que garantir que os estudantes do ensino médio saibam de cor as fases da mitose. Tal dificuldade não deveria ser uma surpresa. Damos, humildemente, o título de "sábia" para a nossa própria espécie, mas nós não chegamos aqui por argumentos e reflexões. Em meio a uma discussão, nossas narinas se inflam e nossos dentes rangem --- até mesmo os do que se dizem "defensores da paz mundial". E por uma razão elementar: nosso corpo não sabe a diferença de um debate de ideias e uma luta pela vida.
Isso nos diz que violência e a força --- escrevo outro dia sobre a falácia "ad baculum" --- é o caminho natural? Não diz, e na verdade eu não sei quanto ao leitor(a), mas eu não dou a mínima para o que seria o "caminho natural". Só me preocupa o caminho moral e eticamente correto, que não está logicamente amarrado a nada que a natureza venha a exibir.
O que isso nos diz é que, por honestidade intelectual, devemos parar de fingir sermos máquinas calculadoras de predicados lógicos, ou instrumentos da verdade revelada. Numa tarefa difícil e perigosa, esses presunçosos mamíferos que somos deveriam investigar seus próprios argumentos procurando neles o preconceito, o interesse egoísta, a visão parcial e míope, o instinto animal. De outro modo, como seria possível aprender alguma coisa quando nossas falácias forem expostas?
Discordo. Não acho errado, por exemplo, acusar "ad hominem" alguém cuja atitude difere da posição intelectual dita na discussão. O que normalmente o que está a ser discutido não são as atitudes das pessoas envolvidas, mas sim qual ponto deve se prevalecer.
ResponderExcluirPor exemplo:
"Fumante: fumar é uma atitude burra e errada.
Homem: diz isso mas continua fumando.
Fumante: ad hominem."
O que estava sendo discutido não era a postura do fumante diante do ponto discutido, mas sim o ponto propriamente dito. Caso não houvesse a acusação "ad hominem" por parte do fumante a discussão mudaria de rumo para como o fumante se porta como indivíduo.
Caso você queira criticar a atitude do homem, deixe tal crítica para outra discussão que foque nas atitudes.
Por exemplo:
Fumante: fumar é uma atitude burra e errada.
Homem: por que?
Fumante: porque faz mal para os pulmões.
Homem: certo, mas, sabendo disso, por que continua fumando?
Descaracterizou o "ad hominem".