quinta-feira, 23 de julho de 2015

A espetacular aranha-aranha e o problema das escalas


O escritor Peter Wayner ressalta um fato curioso: poucas coisas são tão relacionadas à palavra “nerd" quanto histórias de super-herois e ciências exatas (Física, em particular), e é curioso observar como elas parecem vir de mundos (ou “dimensões”, para usar o jargão correto) diferentes. Os super-poderes vêm de alguma mudança ou exceção às regras do mundo físico, e o autor se pergunta se não estaria aí a explicação para a popularidade de tais histórias entre pobres mortais que são diariamente humilhados por essas mesmas regras em seus laboratórios. 

Uma tese interessante, mas não é o que eu gostaria de discutir aqui. Também não aprovo uma visão muito literal (ou infantil?) da questão. É óbvio que físicos, romancistas e padeiros sabem que ficções são ficções, e “explicá-las”, em um sentido literal, é completamente sem sentido. Mas, de uma forma ou de outra, bons roteiros pedem alguma coerência interna, e os tais super-poderes, se não têm explicação, têm uma história. Essas histórias são reveladoras de nossas visões de mundo, algumas com paralelos na ciência moderna, outras não. E aí está o meu interesse. 

Por que o jovem Peter Parker escala paredes sem dificuldade? Eu sou um nerd muito fraco nas questões de histórias em quadrinhos, mas se não me engano ele foi picado por uma aranha. E eu me lembro de haver alguma coisa radioativa —- sempre tem que haver alguma coisa radioativa. Enfim, uma “característica" de aranha foi passada para um homem. Aranhas sobem paredes, e o homem que sobreviveu a esse “contato" passou a subir paredes, entre outras coisas.  

Essa história remete a duas importantes ideias com as quais nos identificamos instintivamente:  cada objeto ou entidade carrega consigo um conjunto de características inerentes ou, em outras palavras, tem "o seu lugar”; o contato com essas entidades permitem a transferências dessas características. Em alguns casos, com o perdão dos relativistas, tais visões ingênuas se mostram incorretas. Em outros casos elas são úteis. Dizer que pedras “naturalmente” caem no chão e o gás “naturalmente" sobe aos céus pode satisfazer nossos desejos de classificação, mas não explica rigorosamente nada. Vestir-se com pele de búfalo e fazer um ritual não garante a presença de búfalos na próxima caçada. Mas o que eu chamei desejo de classificação não raro é o primeiro passo para procurar uma explicação melhor. E encostar um pedaço de madeira seca no fogo produz fogo. E fazer um certo ritual com madeira seca produz uma chama. 

Deixemos Peter Parker no mundo da ficção e façamos a pergunta realmente interessante: por que aranhas escalam paredes sem dificuldade? Ora, porque aranhas (e formigas, etc.) vivem em um outro mundo. Mais especificamente, em uma outra escala de mundo. 

Em nosso mundo (de metros e de dezenas ou centenas de quilogramas), somos comandados pela força da gravidade. Qualquer movimento vertical exige uma explicação. Na mundo das aranhas, de centímetros e de gramas, a tensão superficial e o atrito tornam-se igualmente importantes. Subir uma parede, para uma aranha, exige tanta explicação quanto subir uma ladeira para um de nós. Não há nem mesmo a necessidade de uma nova teoria. Aranhas sobem paredes porque são muito leves e seu contato com as paredes (que, a propósito, na escala em que elas vivem nunca são lisas!) é mais do que suficiente para equilibrar-se. 

O reconhecimento de que diversas mundos, em diversas escalas, convivem em uma mesma realidade (ou melhor, em realidades completamente diferentes!) é uma belo e pouco comentado aspecto da Física. E tem aplicação muito além da cultura nerd. Usar uma célula solar e uma bateria para alimentar um pequeno televisor é tecnologia disponível há décadas. Estender a ideia para alimentar cidades e países com energia solar não é óbvio, nem disponível na tecnologia de hoje. 


Certas soluções “escalam" e outras “não escalam”, como qualquer bom estudante de engenharia aprende. E não há por quê limitarmos essa análise a paredes, ou a questões de física. A política bem sucedida em uma ilha de milhares de habitantes resolve o problema do continente de milhões? Talvez apenas nas discussões de botequim. O prefeito com uma iniciativa notável como secretário municipal de educação será um bom ministro multiplicando seu plano por um fator 1000? É saudável duvidar. Na nossa escala de mundo, é sempre razoável  duvidar dos super-poderes. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário